A música é uma das manifestações artísticas mais antigas e universais da humanidade. Desde tempos remotos, ela desempenha um papel essencial em diversas culturas, seja em rituais, celebrações ou como forma de expressão pessoal. No entanto, a ciência moderna tem mostrado que aprender música, especialmente no contexto de tocar novos instrumentos, vai além do entretenimento ou do prazer estético. O aprendizado musical envolve múltiplos sistemas cognitivos e neuromotores, oferecendo inúmeros benefícios para o corpo, a mente e o cérebro.
Estudos indicam que a prática musical contínua atua como uma poderosa ferramenta de estimulação cognitiva, beneficiando tanto crianças quanto adultos e idosos. Nesse sentido, este texto explora os principais benefícios de aprender música e novos instrumentos, destacando sua relação com o conceito de aprendizagem contínua de Paul Baltes e o impacto sobre a formação de reserva cognitiva, novos engramas e a neuroplasticidade.
1. O Impacto da Música na Estimulação Cognitiva
Quando aprendemos a tocar um instrumento musical, ativamos diversas áreas do cérebro simultaneamente. O ato de ler uma partitura, coordenar movimentos precisos, ajustar o tempo e ritmo, e ouvir atentamente envolve uma rede complexa de processos cognitivos e sensoriais.
Pesquisas revelam que o estudo musical tem um impacto significativo na capacidade de concentração, memória de trabalho e habilidades de resolução de problemas. A música estimula o cérebro de maneira única, promovendo a criação e fortalecimento de conexões neuronais. Esse processo de estimulação cognitiva é fundamental, especialmente para indivíduos mais velhos, pois ajuda a manter o cérebro ativo e funcional por mais tempo.
Para idosos, aprender novos instrumentos pode ser uma forma de desacelerar o declínio cognitivo natural associado ao envelhecimento, promovendo uma mente mais ágil e capaz de lidar com novos desafios intelectuais.
2. Aprendizagem Contínua ao Longo da Vida e Paul Baltes
Paul Baltes, renomado psicólogo do desenvolvimento, introduziu o conceito de aprendizagem contínua ao longo da vida como um processo fundamental para o desenvolvimento e adaptação humana. Segundo Baltes, o aprendizado não se restringe aos primeiros anos de vida, mas continua ao longo da existência, permitindo que as pessoas enfrentem desafios e se adaptem às mudanças sociais e cognitivas.
No contexto do aprendizado musical, isso é particularmente relevante. Tocar um instrumento musical exige uma prática regular, disciplina e o desenvolvimento contínuo de habilidades. Isso reforça a noção de que é possível aprender e desenvolver novas competências, mesmo em idades mais avançadas, contrariando a ideia de que as habilidades cognitivas só se desenvolvem durante a juventude.
O processo de aprender música, como parte de uma estratégia de aprendizagem contínua, oferece desafios contínuos, permitindo que o indivíduo desenvolva resiliência cognitiva e fortaleça capacidades já existentes. Além disso, ajuda a construir novos esquemas mentais e habilidades, promovendo um envelhecimento cognitivo saudável.
3. A Formação de Reserva Cognitiva
A reserva cognitiva é um conceito que descreve a capacidade do cérebro de utilizar de maneira eficiente suas redes neuronais, compensando danos ou envelhecimento. Essa capacidade é, em grande parte, resultado de uma vida de atividades intelectuais e desafiadoras que promovem a neuroplasticidade.
Aprender a tocar novos instrumentos musicais contribui diretamente para o desenvolvimento dessa reserva. Quanto mais atividades cognitivamente estimulantes uma pessoa realiza ao longo da vida, maior será sua reserva cognitiva, o que pode ajudar a retardar ou prevenir sintomas de doenças neurodegenerativas, como o Alzheimer.
Um estudo realizado com músicos profissionais demonstrou que indivíduos com maior exposição à prática musical ao longo da vida apresentavam um declínio cognitivo menor em relação a indivíduos que não tiveram essa experiência. A música, nesse contexto, funciona como uma "proteção" cerebral, aumentando a flexibilidade mental e a capacidade de adaptação a mudanças cognitivas.
4. Neuroplasticidade e a Criação de Novos Engramas
A neuroplasticidade refere-se à capacidade do cérebro de se reorganizar, criando novas conexões entre os neurônios, em resposta a estímulos e aprendizagens. O aprendizado musical é um dos estímulos mais poderosos para promover essa plasticidade, seja na infância, adolescência ou na idade adulta.
Ao aprender a tocar um novo instrumento, o cérebro cria novos engramas, que são memórias codificadas ou circuitos neuronais que representam uma habilidade ou conhecimento aprendido. Esses engramas são formados e fortalecidos através da repetição e prática, e, no caso da música, envolvem tanto as áreas motoras quanto as áreas responsáveis pela percepção auditiva, visual e emocional.
Além disso, a música requer um nível elevado de coordenação entre diferentes partes do corpo e do cérebro. Por exemplo, um pianista precisa coordenar os movimentos das duas mãos de maneira independente, enquanto lê partituras e ajusta o tempo musical. Essa combinação de habilidades é única, e a prática regular ajuda a fortalecer os engramas associados à execução musical.
5. Benefícios Físicos da Prática Musical
Embora os benefícios cognitivos e cerebrais do aprendizado musical sejam amplamente discutidos, os impactos físicos também são significativos. Tocar um instrumento musical envolve coordenação motora fina e grossa, dependendo do instrumento, o que contribui para o desenvolvimento e manutenção de habilidades motoras.
Instrumentos como violino, piano ou flauta exigem controle muscular preciso, fortalecendo os músculos das mãos, braços e até mesmo do sistema respiratório no caso de instrumentos de sopro. Além disso, tocar música pode ser considerado uma forma de exercício físico moderado, especialmente quando envolve posturas específicas ou a movimentação constante das mãos e braços.
Para pessoas idosas, a prática musical pode ajudar a manter a agilidade e destreza manual, que são fundamentais para a realização de atividades diárias. Além disso, o foco na respiração ao tocar instrumentos de sopro pode melhorar a capacidade pulmonar e a oxigenação do sangue.
6. A Música e a Saúde Mental
Além dos benefícios físicos e cognitivos, aprender música também está fortemente associado ao bem-estar emocional e à saúde mental. Tocar um instrumento é uma forma de expressão artística que permite canalizar emoções, reduzir o estresse e melhorar o humor.
Estudos mostram que a prática musical pode ajudar a reduzir sintomas de ansiedade e depressão, promovendo uma sensação de realização e satisfação. O envolvimento em atividades musicais também oferece uma oportunidade de socialização, seja em grupos musicais, bandas ou coros, o que é crucial para o bem-estar social e emocional, especialmente em idades avançadas.
A música, por si só, também pode ter efeitos calmantes no cérebro, reduzindo os níveis de cortisol (o hormônio do estresse) e promovendo a liberação de dopamina, um neurotransmissor associado ao prazer e à recompensa.
7. A Música e a Memória
Aprender música também está diretamente relacionado à melhoria da memória. Isso ocorre porque a prática musical envolve a memorização de notas, ritmos, sequências e melodias. No caso de pessoas que tocam em grupos ou orquestras, a necessidade de lembrar e sincronizar com os outros músicos também desafia e melhora as habilidades de memória de trabalho.
A música é uma das formas mais eficazes de estimular a memória de longo prazo. Pessoas que tocam instrumentos desde a juventude tendem a manter essas habilidades por toda a vida, mesmo em idades avançadas. Isso ocorre porque as redes neuronais associadas à música são reforçadas ao longo do tempo, criando uma base sólida para a recuperação de informações musicais e motoras.
8. A Música como Terapia: Os Benefícios da Musicoterapia
A musicoterapia é uma abordagem terapêutica que utiliza a música para promover a saúde mental, física e emocional, sendo aplicada em diversos contextos, como tratamentos de distúrbios neurológicos, reabilitação física e cuidados paliativos. Por meio da musicoterapia, o som, o ritmo e as melodias são usados de maneira intencional para melhorar a qualidade de vida e facilitar o processo de cura.
Na área cognitiva, a musicoterapia tem se mostrado eficaz na melhora da memória, atenção e na estimulação da plasticidade cerebral. Em pacientes com Alzheimer, por exemplo, músicas familiares podem evocar lembranças, melhorar o humor e reduzir sintomas de agitação. Além disso, ela tem sido usada para tratar transtornos do espectro autista, ajudando no desenvolvimento de habilidades sociais e comunicação.
Do ponto de vista emocional, a música tem um efeito direto sobre o sistema límbico, a parte do cérebro que controla emoções. Assim, a musicoterapia pode ajudar a aliviar a ansiedade, a depressão e o estresse, promovendo relaxamento e bem-estar. O uso de instrumentos ou simplesmente ouvir música em sessões terapêuticas proporciona aos pacientes uma forma de expressar sentimentos de maneira não verbal, facilitando a liberação emocional.
Portanto, a musicoterapia se destaca como uma intervenção não invasiva e eficaz para uma série de condições de saúde, ajudando tanto no plano emocional quanto no físico e cognitivo.
Conclusão
Aprender música e novos instrumentos proporcionam benefícios que vão muito além da simples habilidade de tocar canções. A prática musical atua como um poderoso estímulo para o cérebro, promovendo a neuroplasticidade, a formação de novos engramas e o desenvolvimento de uma reserva cognitiva que pode proteger contra o declínio mental. Além disso, o aprendizado musical está alinhado com o conceito de aprendizagem contínua, demonstrando que é possível, e benéfico, adquirir novas habilidades ao longo de toda a vida.
Por fim, a música não só melhora a saúde cognitiva, mas também a física e mental, tornando-se uma ferramenta completa para o bem-estar integral. Ao aprender música, não apenas desenvolvemos uma nova forma de expressão artística, mas também contribuímos para uma vida mais saudável e ativa, com benefícios que se estendem ao corpo, mente e cérebro.
Referencias bibliográficas
COCHAR-SOARES, Natália; DELINOCENTE, Maicon Luís Bicigo; DATI, Livia Mendonça Munhoz. Fisiologia do envelhecimento: da plasticidade às consequências cognitivas. Revista Neurociências, v. 29, 2021.
SANT ANA, Débora de Mello Gonçales. Plasticidade neural: as bases neurobiológicas do aprendizado. Anais do I Colóquio Nacional Cérebro e Mente, realizado pelo curso de Filosofia da PUC–PR campus Maringá. 2020.
Escrito por: Rebeca Bastos e Carolina Viana
Revisado por: Gerontóloga Audrey Ricetto
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